As premiações de “O Artista” (2011) têm suscitado discussões em torno da ausência/presença da cor no cinema. A mim mesmo, perguntas têm sido feitas sobre o sentido de se lançar um filme preto e branco quando todo mundo está, há tanto tempo, acostumado à tela colorida.
Normalmente as pessoas se indagam sobre o assunto sem terem muita noção do tempo que faz que a cor surgiu na história do cinema, e tampouco da permanência do preto e branco, mesmo depois da cor implantada. Vamos, portanto, por etapas.
Comecemos dizendo que a “intenção de cor” existiu desde o início, ainda no século XIX, quando George Méliès pintava, um a um, os fotogramas de suas películas, fato que, aliás, é mostrado no filme que perdeu o Oscar para “O artista” – “A invenção de Hugo Cabret”.
Porém, o primeiro filme longa-metragem registrado como realmente em technicolor data de 1935; foi dirigido por Rouben Mamoulien e se chamou “Becky Sharp”, no Brasil: “Vaidade e beleza”. Partindo desta data, podemos dizer, portanto, que faz 77 anos que o cinema tem cor.
Em “Vaidade e beleza” o processo cromático se resumia a três cores e o resultado deixava tanto a desejar que um crítico da época chamou o filme de “um salmão cozido salpicado de maionese”, mas, o aperfeiçoamento veio rápido e, quatro anos mais tarde, já se tinha a beleza plástica de “O mágico de Oz” e “E o vento levou”, ambos de 1939.
O que acontece, porém, é que o advento da cor nunca descartou o preto e branco completamente. Estatísticas precisam ser levantadas, mas, é visível a olho nu que nas décadas seguintes ao surgimento da cor, os dois processos co-existiram, creio que em pé de igualdade. Qualquer cinéfilo que se preze consegue citar um número relativamente grande de sucessos das décadas de quarenta e cinqüenta, fotografados em preto e branco.
Sim, é verdade que, na Hollywood dos anos cinquenta, a cor foi um dos trunfos usados para vencer o avanço da televisão (até então sem cor!), mas, mesmo assim o preto e branco persistiu heroicamente e acho que só “entregou os pontos” – se é que o fez – na segunda metade século XX.
Uma evidência da persistência do preto e branco, ao lado do colorido, está na filmografia hollywoodiana da próxima década, a de sessenta.
Por coincidência, levantando recentemente os grandes filmes do ano de 1962 (Conferir post anterior: “Cinquentões em 2012”), deparei-me com cerca de 90% de películas americanas em preto e branco, e, suponho, se formos aos outros anos desta década, o percentual não muda tanto.
Quer me parecer que, nesse tempo, se certo setor de Hollywood continuava investindo na cor para fazer frente ao preto e branco da televisão, um outro, artisticamente mais comprometido, corria na direção contrária, consumindo, aplaudindo e imitando as vanguardas européias que eclodiam na época com estardalhaço e, sim, com muito mais filmes em preto e branco que coloridos: nouvelle vague, free cinema, novo cinema italiano, etc…
Somando à lista dos filmes americanos citados entre os meus cinquentões deste ano, acrescento, só para ilustrar, mais alguns grandes filmes hollywoodianos dos anos sessenta fotografados em preto e branco: “Se meu apartamento falasse” (1960), “Psicose” (1960) “Julgamento em Nuremberg” (1961), “Sob o domínio do mal” (1962), “Infâmia” (1962), “Hud, o indomado” (1963), “Limite de segurança” (1964), “Beija-me idiota” (1964), “Dr Fantástico” (1964), “O homem do prego” (1965), “A nau dos insensatos” (1965), “Quem tem medo de Virginia Woolf?” (1966), “O segundo rosto” (1966), “A sangue frio” (1967)… E deixo para o leitor completar a seu gosto.
Hoje em dia, olhando para trás, é fácil constatar que, com o passar do tempo, quanto mais raro no emprego, mais o preto e branco foi ganhando em status artístico e hoje é um processo cromático meio cult, todo envolto em charme – uma opção estilística, e não uma limitação.
Se não fosse assim, por que filmes da segunda metade do século XX e adiante, quando a cor era/é praticamente obrigatória, foram, opcionalmente, fotografados em preto e branco? Cito alguns: “A última sessão de cinema” (1971), “Lua de papel” (1973), “Manhattan” (1979), “Touro indomado” (1980), “O homem elefante” (1980), “O selvagem da motocicleta” (1983), “Daunbailó” (1986), “A lista de Schindler” (1993), “O balconista” (1994), “Ed Wood” (1994), “Celebridades” (1998), “O homem que não estava lá” (2001), “Sobre café e cigarros” (2003), “Sin City” (2005), “Boa noite, boa sorte” (2005) e tantos outros.
E vejam que só estou citando americanos…
João, o P&B possui um charme irresistível!!!
abço
João, muito esclarecedor teu artigo. Li um pouco sobre o assunto quando trabalhei a luz e a sombra no o cinema noir na minha tese. repassei para meus alunos. abraço, bertrand Lira
Caro João
Você colocou “o preto no branco”…! inclusive, existem alguns casos raros de filmes que utilizam os dois recursos, com partes em p&b e partes em cores, não é?
Um grande abraço
Humberto Espinola
Sim, Humberto, é fato: existem esses filmes que misturam os dois processos e as razões podem ser bem diferentes; às vezes é com função narrativa, por exemplo, separar presente de passado (Cf “Splendor” de Ettore Scola), outras vezes as razões são metafóricas (os peixinhos coloridos de “O selvagem da motocicleta”); quem dá um xhow nessa mistura é “A vida em preto e branco”, conhece? Mas, enfim tudo isso é assunto para outra matéria. Grande abraço de João
Olá, João!
Seria o caso de lembrarmos aqui, em “A lista de Shindler” (preto e branco, em plena supremacia do colorido), a garotinha vestida de vermelho como discurso subliminar para falar dos horrores da guerra?
abraço bom,
jotahah!
João
O Brasil está com uma produção nova também em preto e branco (moda ou saudossismo?) Trata-se de “Heleno, o príncipe maldito”, que conta a história do centroavante Heleno de Freitas (1920-1959), ídolo do Botafogo na década de 1940, com Rodrigo Santoro no papel principal e direção de José Henrique Fonseca (de “O homem do ano”).
Interessante, vou ver se checo.
Caro João
A propósito, assisti recentemente pela tv a cabo o filme americano “A Vida em preto e branco” – o título em inglês é “Pleasantville” – realizado em 1998 por Gary Ross, tendo no elenco Tobey Maguire, Reese Whiterspoon e outros. O filme começa em cores, mostrando a admiração de um jovem americano do interior por um seriado de tv dos anos 50/60, denominado “Pleasantville”.Ocorre então uma identificação com a realidade do seriado a ponto desse jovem penetra-la e vir a fazer parte desse mundo. A medida em que ocorre esse ingresso nessa realidade as sequencias passam a ser em preto e branco. Interessante, não?