Embora inspirada na realidade, a estória parece absurda. Em 1922, parte da Grécia com destino aos Estados Unidos, o navio King Alexander levando, entre outras coisas, setecentas noivas a bordo. São moças gregas, turcas e armênias, de origem muito pobre, que mais pobre ficaram com a guerra, e, assim, estão sendo enviadas pelas suas famílias ao Novo Mundo para casar.
Pelos correios, seus noivados já foram selados e as esperam no porto de Nova Iorque, com fotografias à mão, pretendentes em quantidade igual, estes já residentes na América e também imigrantes, que não querem desposar mulheres americanas.
Entre elas está essa costureirinha grega, Niki Douka, cuja viagem, apesar do desconforto do subsolo onde as noivas se alojam e da saudade de casa, teria sido tranquila, não fosse pela presença desse rapaz americano, Norman Harris, que insiste em abordá-la.
O rapaz viaja na classe de cima, mas, as chances de contato entre os dois aumentam quando o comandante cede a câmera fotográfica para que Norman, fotógrafo de profissão, retrate as noivas, uma por uma. Além disso, Niki é convidada à primeira classe para coser roupas para um grupo de dançarinas. Assim, quase sempre juntos, Niki e Norman terminam se envolvendo e, meio a contragosto, vão vivenciar grande e bela estória de amor frustrado.
Tudo isso e um pouco mais está no filme do grego Pantelis Voulgaris, “As noivas” (“Brides”, 2004), sem exibição local, mas disponível em DVD.
Bem roteirizado, bem dirigido e muito bem interpretado, o filme recebeu, durante a realização, o apoio do cineasta americano Martin Scorsese, cujo nome aparece nos créditos como produtor executivo.
Ainda que previsível, ou talvez, por isso mesmo, a narrativa flui de modo convincente e prende a atenção do espectador desde o início. Quando, em dado momento, uma cigana que viaja no navio se oferece para ler a mão de Niki ela responde, rápido, que já conhece seu futuro. Poderia isto ter sido uma pista falsa do roteiro (a moça desistiria do casamento marcado e fugiria com o amante…), mas, não é: no desenlace, tragicamente, o dever vai pesar sobre o desejo.
Aliás, o diálogo é uma das boas coisas no filme, com falas que têm o poder de reverberar, finda a projeção. Ao ser indagada por Norman sobre o seu país de origem, Niki retruca: “sou de um lugar que nunca mais verei”, como se perguntasse: em vista disso, que importa dizer o nome?
Quando Norman desce ao subsolo e se defronta com a multidão das setecentas jovens noivas, todas vestidas de branco, com as cabeças cobertas por véus da mesma cor, todas de frente, fitando-o entre admiradas e ansiosas, ele, impactado pela beleza inusitada da visão, solta, de si para si: “sim, é como se estivesse nevando no verão”.
Na despedida, Nikki observa que “são bonitos seus olhos”. Norman pergunta: “o quê?”, e a resposta é: “Acho que vai chover”. Tomada adiante: o rosto de Norman, com lágrimas escorrendo.
Um pouco antes do desembarque que vai separar o casal apaixonado, alguém joga na cara de Niki que nunca esquecer Norman vai ser o seu castigo, e ela, convicta, corrige: castigo seria esquecer quem amamos.
Além de bom de diálogo, o roteirista do filme também é um grande cinéfilo, aliás, cinéfila, pois a autoria é de uma mulher, Ionna Karystiani, por sinal, esposa do diretor Voulgaris. Vejam que várias situações em “As noivas” fazem remissão a outros filmes, sem coincidência, também estórias de amor com finais tristes.
A resposta mesma que Niki dá ao seu interlocutor maldoso retoma, praticamente, as palavras na cena de despedida de outro casal apaixonado em “Desencanto” (David Lean, 1945). Também sem coincidência, a profissão do amado de Niki é a mesma do protagonista em “As pontes de Madison” (Clint Eastwood, 1995), e – para não me estender em citações – o suicídio daquela moça, uma das noivas, lançando-se às ondas escuras do mar noturno, remete a cena idêntica em “América, terra do sonho distante” (Elia Kazan, 1963). E, se o espectador quiser, a situação diegética toda lembra “Titanic” (1997).
Algo que a direção faz bem é combinar plástica e tema: se a tela está cheia do branco eufórico das tantas noivas, por trás disso se esconde o tom sombrio da triste conveniência de tantas uniões carnais entre desconhecidos, ou, mais obviamente, a tristeza do amor feito e desfeito em Niki e Norman. Outro branco triste vai aparecer nos cabelos de Niki, após uma noite insone, quando foi forçada a decidir entre dever familiar e desejo.
O cineasta Pantalis Voulgaris é um dos nomes mais prestigiados na cinematografia grega dos últimos tempos, e é uma pena que seu trabalho seja tão pouco conhecido por aqui. Esperemos que “As noivas” seja, entre nós, só a introdução de uma série.
Oi João,
Já tinha visto o trailer desse filme há tempos e tinha esquecido. Obrigada por me lembrar. Imagino a cena das noivas no subsolo do navio….E por coincidência, uma brasileira jogou-se ao mar neste final de semana. Uma jovem de 21 anos que trabalhava num navio – ajudante de cozinha – e que estava cansada do trabalho. Quem sabe também sonhava com um lugar distante, quem sabe talvez também de um noivo alhures???? Quem sabe???? beijos!
Muito obrigado! Adicionei o seu link a uma postagem que fiz sobre o filme em meu blog.