Do anedotário brasileiro faz parte a gozação com os títulos que os filmes estrangeiros receberam em Portugal. Os cinéfilos que consultam livros de cinema editados naquele país adoram citar esses títulos para provocar o riso. E provocam.
É fato que em todo país – e não apenas em Portugal – os filmes estrangeiros recebem por vezes títulos estapafúrdios, mas, mantém a lenda que os portugueses seriam mais engraçados.
Digamos de início que, nas brincadeiras dos cinéfilos brasileiros, há verdades e mentiras. A mentira mais frequente é que “Psicose” tenha sido reintitulado em Portugal como ´O filho que amava a mãe´. Não é verdade: o título lusitano do filme é só a tradução literal do original: “Psico”.
Muitas vezes o engraçado do título lusitano consiste na diferença vocabular entre Brasil e Portugal. Por exemplo, aquele drama do japonês Nagisa Oshima, de 1959, sobre um jovem que vendia aves (no original: “Ai to kibou no machi” : `a cidade do amor e da esperança´) teve em Portugal um título para nós ambíguo e ridículo: “O rapaz que vendeu a pomba”.
Poucos contêm o riso, é fato, ao ler ou ouvir o título daquela comédia de Roman Polanski sobre mortos vivos, que traduzimos do original como “A dança dos vampiros” (1966). Em Portugal o título do filme é mais longo: “Por favor, não me morda o pescoço”.
Certamente, um que está perto de ser o campeão da criatividade é o título lusitano dado ao filme de Richard Lester, com os Beattles, “Os reis do ye ye ye” (1964). O título português (juro) é: “As quatro cabeleiras do Após-Calipso”.
Como o assunto é vasto, vou, por questão de economia, aqui me limitar a mencionar e comentar brevemente alguns títulos que os distribuidores portugueses deram a filmes produzidos em Hollywood. Vejamos.
“A culpa foi do macaco” é, com certeza, um título engraçado para o filme de Howard Hawks “O inventor da mocidade” (1952), com a justificativa de ter uma palavra chave do original “Monkey business”. “Doido com juízo” também é curioso para o filme de Frank Capra “O galante Mr Deeds” (em inglês “Mr Deeds goes to town”). “A menina dos telefones” soa igualmente hilário para designar a protagonista do filme de Vincente Minnelli “Bells are ringing” (1960), entre nós “Essa loura vale um milhão”. “Não há como a nossa casa” eis um título lusitano impensável para “Meet me in St Louis” (1944), do mesmo Minnelli, e que nós traduzimos de modo igualmente estranho “Ainda seremos felizes”. “A mulher que viveu duas vezes” é outro título lusitano que é motivo das chacotas cinéfilas, dando pistas sobre o que acontece à protagonista de, em inglês “Vertigo” (´vertigem´), no Brasil, “Um corpo que cai” (1958).
Com certeza, a gozação predileta dos cinéfilos brasileiros recai no título lusitano do faroeste de Fred Zinnemann, “High Noon” (´meio dia em ponto´) que no Brasil se chamou “Matar ou morrer” (1952). Em Portugal o filme foi intitulado como “O comboio apitou três vezes”, com o constrangedor detalhe de que, na estrutura do enredo, a quantidade de apitos do trem que chega a essa pequena cidade do Oeste, não tem absolutamente nenhuma relevância.
Ao invés de rir, há quem dê bronca das intitulações lusitanas. De minha parte, ao contrário, reservei para este artigo um título solidário aos portugueses, o mesmo que eles deram ao filme “Faça a coisa certa” (1989): “Não dê bronca”.
Pois, digamos a verdade: nem sempre os títulos portugueses são risíveis, e, nem sempre os nossos são melhores que os deles. Para a consideração do leitor, faço seguir uma lista de 18 (re)intitulações lusitanas e brasileiras de filmes famosos. De propósito não cito os títulos originais, apenas o ano da produção, em ordem cronológica. E decida você, leitor, quem deu títulos mais impertinentes a estes filmes americanos, se Portugal ou Brasil.
“Duas feras” vs “Levada da breca” (1938); “Cavalgada heróica” vs “No tempo das diligências” (1939); “A raposa matreira” vs “Pérfida” (1941); “O mundo a seus pés” vs “Cidadão Kane” (1941); “Mentira” vs “A sombra de uma dúvida” (1942); “A casa encantada” vs “Quando fala o coração” (1943); “Suprema decisão” vs “Um retrato de mulher” (1944); “Do céu caiu uma estrela” vs “A felicidade não se compra” (1946); “Há lodo no cais” vs “Sindicato de ladrões” (1953); “Fúria de viver” vs “Juventude transviada” (1955); “A terra em perigo” vs “Vampiros de almas” (1956); “A desaparecida” vs “Rastros de ódio” (1956); “O espírito e a carne” vs “O céu é testemunha” (1958); “Corações na penumbra” vs “Doce pássaro da juventude” (1962); “Música no coração” vs “A noviça rebelde” (1965); “Fim de semana alucinante” vs “Amargo pesadelo” (1972); “Juventude inquieta” vs “O selvagem da motocicleta” (1982).
Em tempo: para mais sobre a temática, consultar meu livro “Hollywood em outras línguas: a tradução de títulos de filmes e seus problemas” (Editora da UFPB, 2009), inteiramente disponível neste blog.
Oii, João! Uma curiosidade: O filme “O homem q vendeu a pomba” tem título em portugues brasileiro? Um abraço, Paula
Oi, Paula, abraço.
Sim, no Brasil o título foi praticamente a tradução literal do original:
“Uma cidade de amor e esperança”. É o que está registrado nos vários dicionários de cinema ao meu dispor.