Antes da existência da imprensa eram os mensageiros os responsáveis pela transmissão das notícias, esses verdadeiros ´moleques de recado´ da antiguidade, que percorriam distâncias para levar informação aos interessados.
Um mensageiro vagaroso podia provocar tragédia, como foi o caso daquele que, correndo entre Verona e Mantua, não chegou a tempo de avisar a Romeu sobre o entorpecente ingerido por Julieta. Conta-se que, no antigo Egito, a rainha Cleópatra castigava com chicotadas nas costas os mensageiros que lhe traziam notícias ruins, e agradava com prendas, quando as notícias eram boas.
Gutenberg mudou tudo, e já no século XVII os jornais tomaram o lugar dos vetustos mensageiros, despejando notícias a quem quisesse recebê-las, ou não. Rápido os jornais viraram empresas poderosas e, em 1625, o escritor inglês Ben Jonson já encena sua peça “The Staple of News”, satirizando o poder da imprensa no mundo.
Pois é essa peça inglesa, tão pouco conhecida entre nós, que serve de pretexto para o filme de Jorge Furtado “O mercado de notícias” (2013), em cartaz na cidade e no país.
O filme se apoia nos dois pilares do cinema, a ficção e o documento, para discutir o mesmo tema: a imprensa e seu papel na sociedade. Assim, cenas da peça de Jonson se intercalam a depoimentos atuais de jornalistas brasileiros. Eu disse dois pilares, mas talvez sejam três, pois o cineasta inclui, no corpo do filme, cenas metalinguísticas de bastidores da produção.
Notícia, fato, mentira, verdade, parcialidade, jornalista, jornalismo… os tópicos vão se sucedendo, introduzidos por legendas e discutidos pelos profissionais da área, e/ou ilustrados por cenas da peça. Praticamente, todas as grandes questões atinentes à imprensa aparecem, algumas exemplificadas com casos locais, dos quais menciono dois:
Aquela bolinha de papel que, durante a campanha para Presidente, atingiu a careca de José Serra e, incrivelmente, o levou ao hospital, como se se tratasse de um grave atentado dos adversários. Ou o caso daquele quadro comprado pelo INSS de Brasília, e lá ainda hoje exposto, como um autêntico Picasso, quando não passa de um pôster do original, este perfeitamente visitável no Museu Guggenheim de Nova Iorque.
Inevitavelmente, o tópico mais quente na pauta do filme é a questão do até que ponto o jornalista reproduz fielmente o fato noticiado… ou o ´retoca´ e, eventualmente, o deforma. Também inevitavelmente, o último item discutido (denominado “revolução”) tinha que ser o novo rumo que tomam as coisas com o advento da Internet – fator tecnológico tão novo e inquietante hoje quanto o foi a imprensa escrita nos tempos de Jonson.
Aliás, além de demonizar os jornais da época, a peça de Jonson tinha um plot próprio, sobre a família Pennyboy (o sobrenome já diz tudo) e seu ardiloso intento de desposar a bela Pecúnia (outro sobrenome óbvio). Como, no filme de Furtado, a peça não é encenada em sua compleição, esse plot fica obscuro e confuso para o espectador que desconhece o original.
Outra coisa: gostei do filme, inteligente e – como a peça de Jonson – irônico, porém, francamente, não vejo por que o cineasta se absteve de fazer referências cinematográficas, que, creio eu, tornariam o filme mais interessante do que já é.
Por exemplo, uma que vejo como obrigatória num filme desses é a da famosa cena final de “O homem que matou o facínora” (John Ford, 1962), no momento em que o jornalista afirma que “quando a lenda supera o fato, imprima-se a lenda”. Acho que, na sequência em que se discute o problema da verdade na imprensa a famosa fala teria que ser mencionada.
A outra seria qualquer cena ou fala de “Última hora” (Lewis Milestone, 1930) e por quê? Ora, se a peça de Jonson foi a primeira na história do teatro e da literatura a tratar da imprensa, este filme, por sua vez, foi o primeiro a fazê-lo na história do cinema. Teria sido legal apontar o elo entre os dois começos.
Não sei que desempenho está tendo “O mercado de notícias” nos circuitos comerciais de exibição, mas, de uma coisa estou certo: sua cópia em DVD vai fazer o maior sucesso nos cursos de comunicação e jornalismo das universidades brasileiras.
E aproveito o ensejo para lembrar, a quem for usá-lo didaticamente – ou simplesmente a nossos leitores – outros filmes, além dos dois já citados, sobre a grande temática da imprensa, escrita, falada ou vista. Eis pelo menos dez títulos, em ordem cronológica:
Jejum de amor (Howard Hawks, 1940); Cidadão Kane (Orson Welles, 1941); A montanha dos sete abutres (Billy Wilder, 1951); Um rosto na multidão (Elia Kazan, 1957); A embriaguez do sucesso (Alexander McKendrick, 1957); A doce vida (Federico Fellini, 1960); Viver por viver (Claude Lelouch, 1967); A primeira página (Billy Wilder, 1974); Todos os homens do presidente (Alan Pakula, 1976); e Rede de Intrigas (Sidney Lumet, 1976).
Olá João,
Neste século o Brasil não produziu mais que 5 filmes excelentes. O MERCADO DE NOTÍCIAS está neste rol desses consagrados. No entanto, a bilheteria não reflete a qualificação, pois todas cinco películas não conseguiram arrebanhar um público expressivo. Nos 2 primeiros dias que o filme estreou em JP (cidade na qual, por acaso, assisti 2 x o filme em dias diferentes) só haviam 7 e, respectivamente, 6 pessoas presentes das quais levei 3 e 2 espectadores. Apesar de o filme continuar, até hoje, no circuito comercial Rio / SP , aparentemente, a bilheteria reflete um desinteresse. Mas como é que pode também existir um interesse, se de 100 jornalistas, talvez só um é ‘investigativo’ ?? Como o ensino no Brasil é sofrível, não creio que exista interesse dos professores ou dos alunos assistirem esta obra que, surpreende não só pelo conteúdo, mas também por sua formatação. Concordo com você que o filme deveria ser obrigatório para qualquer tipo de ensino ligado ao vasto ‘mercado de notícias’ , mas desconfio que somos vítimas de um ‘wishful thinking’.
Abs., Andrés.
Quando em JP, final de setembro, exibirei e comentarei o canadense ‘INCÊNDIOS’ e o alemão ‘O TAMBOR’ no Estacine, Cabo Branco. Meus textos sobre os dois filmes serão publicado antes, na edição do jornal CONTRAPONTO,sexta-feira, 26.09.
João, RE-thanks pelos ultimos posts, que just in case, adquiri os textos via Contraponto , em que posso riscar a vontade meu toc de marcar em technicolor ,feitiçaria que uma mãe de santo me garantiu que assimilaria como “originais”, e citados como tais, quando o autor já esquecera o escrito de cor e salteado.Friends são pra estas coisas , também. Pra remematar aos poucos, aproveitei a tal emergencia na Unimed, para um CHeque Up particular, para mais rapidamente vasculhar o resto do pré-corp(pse) adiado , do coração ao dedao do pé, incluindo os fios de cabelo restantes na carapaça craniana, isto é do cardio( ergométrico(), ao gastro(endoscopias,), ao nefro,tudopra avaliar meu prazo de validade, pois tenho muito a ler ainda sobre movies and as prazerosas, mesmo que conflitantes críticas, que apesar de me fazerem sofrer pelo débil discernimento, me dão inexcedível e masoquista estético-catártico prazer. Enquanto enfrento a cosa nostra de branco, me estressando com os resultados e taxas sanguiíneas de more or less bad blood, e suas superações transitórias, inclusive uma que decretou que tenho de caminharr,pra baixar e queimar as adiposidades sedentárias, acumuladas ao longo de setenta saltitantes e irresponáveis primaveras.Tou no meio do Cahiers sobr Hithc, devagar pelos motivos citados, e quando terminada a terepeutica leitura, lhe entregarei como o promis cadeau, asssim que ajustar os curto-circuitos da cachola à semilogia dos outros sistemas, nada a ver com os arca-Ismos dos nossos passe´ et présent récent. Passa a tormenta biológica da casal ( amulher já recuperada da dengue) tendo sobrado o setentão , pós reciclagem para tretomada de nossas cinefilomanias e novos capítulos de nossa já cronica friendship, esta ilesa diantes dessas mazelas acima patofobicamente recitadas, pelo que poço as mais ashamed excusas. Abraço, de epleon jr. Date: Fri, 12 Sep 2014 12:18:01 +0000 To: eponceleon@hotmail.com
Recado recebido, Ponce.
Nos vemos.
Oi João Batista
Ótimo texto, obrigado pelas referências ao filme.
Sobre as citaçoes cinematográficas queríamos fazer, chegamos a montar o filme com elas (muitos dos filmes citados por ti) mas esbarramos nos direitos autorais, caríssimos.
Fiz uma lista de 10 filmes sobre jornalismo, no meu blog.
grande abraço
Jorge Furtado
Alô, Furtado, que honra ter uma resposta do autor do filme!
Fico feliz em saber que vocês pensaram em fazer as citações.
Vou visitar o seu blog.
Tenho escrito sobre outros filmes seus. Recentemente, durante a Copa, fiz matéria sobre “Barbosa”, que pode ser lida aqui mesmo. neste blog.
Abraço forte de João.
Alô João
aqui vai o link para o texto em meu blog:
http://www.casacinepoa.com.br/o-blog/jorge-furtado/eu-preciso-de-umas-aspas-suas
grande abraço
Jorge
Obrigado, Furtado.
Já li. Inevitavelmente, muitos dos nossos filmes sobre imprensa coincidem.
Uma coisinha: estou agora mesmo, postando neste blog uma matéria minha sobre o centenário do seu grande conterrâneo Lupicínio Rodrigues. Queria que você visse, até porque lhe faço lá uma cobrança.
Caro João
Abordagem de tema importante, espero ver o filme aquí em Brasília.
Taí um tema interessante para um livro novo, onde você poderá aprofundar essa relação imprensa/cinema e comentar os filmes citados !
Um grande abraço
Humberto
Obrigado, Humberto, pelo contato.
O empreitada que você sugere é homérica. Quer matar o véi?
Grande abraço saudoso. João.