Qual a profissão mais ficcionalizada no cinema? Não detenho as estatísticas, mas, com certeza, a medicina está entre as favoritas. Com efeito, desde os tempos do cinema mudo que o médico aparece na tela, seja como coadjuvante, seja como protagonista. Em 1920, um certo filme já trazia a palavra “doutor” no título: O gabinete do Dr Caligari.
Mas, com que características o médico foi ou tem sido representado na tela? Que perfil lhe é dado? Há dois, antagônicos, que recorrem: o do profissional frio que vê o seu paciente como cobaia a ser analisada, e o do humanista compreensivo que considera o paciente como um ser humano, igual a ele mesmo.
Na época clássica, a que aqui privilegio, essa dualidade comportamental foi constante. Ao redigir esta matéria, lembro dois exemplos bem sintomáticos: (1) o Dr Austin Sloper (Ralph Richardson) de Tarde demais (The heiress, 1949, de William Wyler), médico impessoal que, com palavras cruéis, não hesita em “diagnosticar” a filha como imbecil; e (2) a suave e delicada Dra Han Suyin (Jennifer Jones) de Suplício de uma saudade (Love´s a many-splendored thing, 1955, de Henry King) que trata seus pacientes com um afeto de mãe devotada.
Por sua vez, essa dualidade tende a ser “resolvida” na figura do Dr Isac Borg, protagonista de Morangos silvestres (Smultronstället, 1957, do sueco Ingmar Bergman), filme que conta a viagem desse profissional aposentado e idoso, para receber uma homenagem pelo seu relevante trabalho de médico: na viagem, o impassível Dr Isac revê toda a sua vida em detalhes e, no processo, se humaniza.
Aqui levanto dez filmes da era clássica cujos protagonistas foram médicos. As especialidades variam, de clínico geral a psiquiatra, passando por cirurgião e/ou dentista, assim como variam os gêneros dos filmes, de romance à ficção científica, passando por western e, sobretudo, drama.
Evidentemente, todos esses médicos vivem conflitos da mais variada natureza, do contrário os filmes não seriam interessantes; conflitos que, quando não são estritamente profissionais, de alguma maneira, atingem a profissão.
Esses conflitos podem ser, por exemplo: uma experiência científica frustrada, uma paixão proibida, uma doença do próprio médico, uma intriga local, uma epidemia incontrolável, uma cirurgia impossível, uma ameaça cósmica, uma patologia rara, uma convulsão social, um problema racial…
Enfim, faço seguir, em ordem cronológica, a lista dos dez filmes clássicos que têm médicos como protagonistas. Em cada caso cito, na ordem: o título brasileiro do filme, o título original, o diretor e o ano de produção. Os dois últimos itens citados são o nome do personagem e o ator que o interpretou.
Se você é da área médica e se gosta de cinema, tente relacionar os conflitos acima mencionados com os filmes abaixo:
O homem invisível (The invisible man, James Whale, 1933); Dr Jack Griffin/ Claude Rains.
Desencanto (Brief encounter, David Lean, 1945). Dr Alec Harvey/Trevor Howard).
Quando fala o coração (Spellbound, Alfred Hitchcock, 1945). Dr John Ballantyne/Gregory Peck.
Paixão dos fortes (My darling Clementine, John Ford, 1946). Doc Holiday/Victor Mature.
Pânico nas ruas (Panic in the streets, Elia Kazan, 1950). Dr Clinton Reed/Richard Widmark).
Sublime obsessão (Magnificent obsession, Douglas Sirk, 1954). Dr Bob Merrick/Rock Hudson.
Vampiros de almas (Invasion of the body snatchers, Don Siegel, 1956). Dr Bennell/Kevin MacCarthy.
As três máscaras de Eva (The three faces of Eve, Nunnally Johnson, 1957). Dr Curtis Luther/Lee J. Cobb.
Dr Jivago (Dr Zhivago, David Lean, 1965). Dr Yuri Zhivago/Omar Sharif.
Adivinhe quem vem para jantar (Guess who is comig for dinner, Stanley Krammer, 1967). Dr John Prentice/Sidney Poitier.
Em tempo: esta matéria foi escrita para a Revista da SBH (Sociedade Brasileira de Hepatologia, Ano 3, n 1, 2016)
Fiquei esperando por uma menção ao Dr. Frankenstein e ao médico de Servidão Humana. Lembra?
O problema, Vic, é que o artigo para a Revista SBH só vai até 60 linhas, e o cinema está cheio de médicos…
Caro João
Parabéns pelo tema, que merece um ensaio e não um belo artigo de 60 linhas. Há, por exemplo, o clássico “Doctor Jeckill and Mister Hide/O médico e o monstro”)…e tantos outros…
Um grande abraço
Humberto Espinola