Ontem estava por acaso revendo cenas do “Romeu e Julieta” de Zeffirelli (1968) na tv paga e fui acometido de certa vontade de rir.
Lembrei-me de uma certa sessão reprise desse filme, no saudoso Cine Tambaú, lá pelos anos 90. Era uma noite de domingo e a sala estava lotada com um tipo bem particular de espectadores, que se poderia chamar de “a juventude dourada da orla pessoense” – um pessoal jovem que, por um bom tempo, fez daquela sessão dominical, um lazer obrigatório, gostassem do filme ou não.
Pois bem, essa moçada ria à beça, toda vez que os protagonistas trocavam suas juras de amor. Na famosa cena do balcão até gargalhadas houve. Mais ainda naquela cena do encontro com o Frei Lorenzo. Para eles, aquele palavreado retórico e comprido que saía dos lábios do casal apaixonado parecia sobressalente e ridículo. Para eles, a lógica seria Romeu e Julieta se atracarem em amassos e beijos… e pronto. Nada daquela lengalenga sem fim que retardava a ação e não levava a nada.
A risadagem na sala era tão animada que quem ouvisse de longe pensaria tratar-se de uma boa comédia.
Na época, eu estava ensinando Shakespeare no Curso de Letras da Universidade e, naturalmente, fiquei aborrecido com aquele comportamento. Havia até recomendado a alunos meus que fossem ver o filme, mas, por sorte, não vi nenhum deles nessa sessão. Devem ter ido durante a semana, e, se riram ou não, não sei. Em classe é que não riram.
Se na ocasião me aborreci, hoje relembrando o fato, não contenho um certo riso.
A pergunta é: os diálogos em “Romeu e Julieta” seriam exagerados? Ocorre que a resposta é, sim, afirmativa. Se não exagerados, digamos, excessivos. Belos, poéticos, elevados, mas excessivos. Apropriadamente excessivos.
O que escapa ao espectador de Shakespeare é o porquê desse suposto excesso verbal nas cenas de amor. É que, na era elisabetana, não existiam atrizes, só atores. Mulheres no palco, de jeito nenhum! É difícil para o espectador de hoje imaginar que as heroínas shakespearianas – Ofélia, Cleópatra, Desdemona, Cordélia, Lady Macbeth, Julieta – foram, no seu tempo, interpretadas por marmanjos.
O resultado dessa exclusão feminina é que esses casais masculinos não podiam se abraçar no palco e muito menos se beijar. Ora, justamente para compensar a falta de toque físico é que o Bardo investia nas falas, que eram, estas, o único recurso de convencer que os amantes estavam real e profundamente apaixonados. Assim, muita retórica amorosa era acionada – para os meus espectadores do Tambaú, muito floreio inútil.
Zeffirelli poderia ter cortado parte desse “floreio” e aproximado mais fisicamente os atores, mas não quis fazê-lo e acho que ficou legal do jeito que fez, dosando bem falas e gestos. Não esquecer que Olivia Hussey e Leonard Whiting chegam a se beijar.
O curioso é que as plateias do tempo da estreia do filme, final dos anos sessenta, que eu recorde, acharam normal a tagarelice excessiva dos amantes de Verona. Pelo menos é o que lembro do meu primeiro contato com o filme de Zeffirelli, uma sessão lotada, com espectadores atentos e encantados, no saudoso Cine Capitólio, em Campina Grande.
A rigor, meu primeiríssimo contato com o “Romeu e Julieta” de Shakespeare no cinema foi um pouco antes, na reprise local da versão de Renato Castellani, de 1954, mas esta, se não me falha a memória, tinha os cortes e a economia de falas que os meus jovens espectadores do Cine Tambaú desejariam. Em compensação, tampouco tinha os amassos esperados.
Enfim, Shakespeare no Tambaú é um bom exemplo de resposta espectatorial, ingrediente interessante para um estudo de Estética da Recepção no cinema. Por isso, faço a anotação aqui.
Em tempo: esta matéria é dedicada ao amigo Astier Basílio.
Deixe um comentário