Um filme com um título desses, “Em busca de Fellini” (“In search of Fellini”, 2107), eu iria ver de todo jeito. Ainda que tivesse lido comentários desfavoráveis. Pois li e fui.
O argumento é igualmente convidativo: uma garota de uma pequena cidade interiorana de Ohio vai a Cleveland, e cai, por acaso, dentro de um Festival Fellini; apaixona-se subitamente pelo cineasta de “A estrada da vida” e, com o consentimento da mãe doente, se dana para a Itália no encalço dele.
Inspirado pela genial mistura felliniana entre realidade e fantasia, o filme do diretor novato Taron Lexton conta a história de Lucy (Ksenia Solo), apostando que pode fazer o mesmo: misturar realidade e fantasia. Ocorre que nem todo mundo é Fellini, e…
Lucy, a garota de Ohio, usa a camisa listrada de Gelsomina – personagem de “La Strada” – e quer ter a inocência da mesma, mas isso não ajuda muito. Literalmente, perde-se na Itália, e o filme junto com ela, também se perde. E vejam que, para o bem ou para o mal, é baseado “numa aventura real”… Pensando bem, talvez por isso mesmo se perca.
Que Fellini não será encontrado (vários sentidos para esta expressão!), a gente adivinha desde a chegada da moça a solo italiano. Onde posa o avião dela? Não em Roma, mas em Verona, a cidade de Romeu e Julieta. É, portanto, fácil prever o desenlace: a viagem vai lhe dar, não Fellini, mas, um amor. E é aí que o filme ganha a cara de “sessão da tarde”.
A sequência final, em que Lucy, já em Roma, tem, conosco, e por algum instante, a ilusão de estar na presença de Fellini, quando a figura masculina à sua frente é, na realidade, o namorado veronês, só não decepciona mais porque, como disse, já estava implícita desde sempre. Sintomática e convenientemente, a jornada de Lucy acontece em 1993, ano da morte de Fellini.
O filme é cheio de desperdícios, que os espectadores de maior boa vontade podem, se quiserem, chamar de ´pistas falsas´.
Um caso é o dos aparecimentos, em momentos e locais os mais variados, daquele rapaz forte com correntes amarradas no busto (para lembrar o Zampano de “La strada”)… aparecimentos que não vêm a dar em nada. Outro desperdício é a existência do segundo ´interessado´ em Lucy, aquele desconhecido que a conduz a uma orgia supostamente felliniana, e depois a maltrata…
Engraçado é que um problema que Lucy teve, também o teve o filme. Refiro-me ao fato de que não há um Fellini só: há muitos Fellinis, e aquele de “La strada” e “Noites de Cabiria” é bem diverso do de “A doce vida”, que por sua vez, é diverso do de “Satyricon” e “Roma”.
Mas, os atrapalhos semióticos do diretor Lexton, não ficam por aí.
Vejam bem: depois de meia hora de projeção, eu, pessoalmente, comecei a me indagar se um título mais apropriado ao filme não seria “Em busca de Capra”. Pois é, são tantas e tão enfáticas as cenas mostradas de “A felicidade não se compra” (1946) onde se veem a bela Donna Reed e James Stewart em conversas amorosas ou trocando beijos…
O que, aliás, me conduz a uma questão mais genérica, mas também pertinente ao filme de Lexton. Como casar o cinema clássico americano com o cinema de arte europeu? A dicotomia é um lugar teórico comum da crítica, mas que aqui, suponho, vem bem ao caso.
Em alguns momentos do filme, as personagens americanas tentam explicar aos outros o que é Fellini. Antes de viajar, Lucy faz isso para a tia, sem sucesso, e, mais tarde, essa mesma tia, tenta explicar à irmã, mãe de Lucy. O que ela diz é o seguinte: “Peitos, bundas, você sabe, arte”. Por sua vez, assistindo na televisão a “A doce vida”, a mãe de Lucy reclama: “Cadê o enredo?” E é consolada pela irmã: “Não há enredo”.
No momento em que redijo estas linhas me ocorre que a justificativa para a insistente presença intertextual de “A felicidade não se compra” seria para lembrar que o cinema clássico americano, ao contrário, tinha enredo e não tinha peitos e bundas… Será? Pode até ser, mas não melhora a impressão de confusão estilística e estrutural que “Em busca de Fellini” nos passa. Sem falar da impressão, mais grave, de inutilidade.
O cinema clássico americano, com suas regras e limites, e o cinema de arte europeu, com suas liberdades e ousadias, estão “casados”, e muito bem casados, nas obras concretas, consumadas e consumidas, de grandes diretores como Billy Wilder, Otto Preminger, Fritz Lang, William Wyler, e tantos outros.
Satisfaçamo-nos, portanto, com o que já foi feito.